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20 de novembro de 2024

  • Jéssica Kellen Rodrigues
  • 20 de nov. de 2024
  • 3 min de leitura




20 de novembro de 2024 - Brasil, Dia da Consciência Negra, primeira vez que a data é oficialmente um feriado nacional. O mês de novembro foi de muito trabalho. Amanheci conectada com os estudos dos textos de Lélia Gonzalez e Sueli Carneiro. Estou me preparando para os próximos eventos que vou participar esse mês. Em geral, novembro é um mês de trabalho intenso para as pessoas negras, talvez por ser o mês que somos ouvidas de fato em espaços fora das nossas bolhas. Nossa história de resistência entra no palco e ganha destaque nas “grandes mídias”. Novembro é o mês que falamos “numa boa”, como diz Gonzalez, sem sermos acusadas de fazer “mimimi” e, ainda somos ouvidas, mesmo que em Dezembro a programação normal da estrutura racista do nosso país volte a operar, e com ela todo o apagamento sistemático do epistemicídio vigente e a violência da Necropolítica, que é o modo de operação da elite do país, ambos estabelecidos historicamente. E é sobre a HISTÓRIA que esse dia nos convoca a refletir. A história da construção cultural da nossa sociedade, que é uma cultura afro-brasileira, pois resguarda aspectos da cultura africana que a constitui e que sustenta uma das maiores expressões da interculturalidade - aqui me refiro a proposta de Paul Gilroy.


Neste sentido, em novembro, conhecemos o Brasil de fato, conhecemos a nossa construção cultural que é negra. E, como representantes da história apagada, nossa abordagem dessa  história é multifacetada: de um lado, a denúncia do “contrato racial” que fundamenta a estruturação da sociedade moderna e que sustenta a supremacia branca como sistema hegemônico de poder, promovendo a subjugação e a violência que persistem desde o período da escravização até os dias atuais, como nos mostra Charles Mills.


Denunciamos também a manutenção dessa estrutura e seus efeitos violentos até os dias atuais que mantém os povos não brancos em condições de marginalização e vulnerabilidade social para o propósito de perpetuação da  lógica de dominação. Por outro lado, apresentamos a história de resistência do nosso povo, da nossa participação efetiva na construção da sociedade brasileira social e economicamente. Falar da história não contada da luta do povo negro é construir uma memória que nos foi negada, que foi violentada com o propósito de nos inferiorizar e justificar a violência sobre nossos corpos. A nossa resistência é o que denuncia a estratégia sustentada pela hierarquia racial que se dissolve nos discursos, gestos, nas leis,  na educação, enfim, nas relações sociais como um todo.


Resgatar essa história é fundamental para a construção de ferramentas de transformação social. 20 de novembro resgata a luta histórica negro pelo fim da escravização, pois, como diz Gonzalez: “De repente o grande público toma conhecimento da importância do 20 de novembro para  nós, negros deste país. Justamente porque a morte de Zumbi se transfigura no ato que, por excelência, aponta para a vida. Ao morrer, Zumbi continuou vivo, permanecendo na consciência de seu povo e também na dos opressores desse povo”. (Lélia Gonzalez). Outro aspecto importante que é preciso marcar no dia de hoje é a agência da mulher na história de resistência e de construção cultural do nosso país. E Gonzalez também nos diz: “Mas cabe aqui uma pergunta: onde é que a mulher negra entra nesse papo? Será que vamos falar de Dandara ou de Luísa Mahin? Não especialmente. Mas enquanto quilombolas, não há dúvida. É claro que, aqui, o termo está sendo tomado num sentido mais amplo, metafórico mesmo.


A mulher negra tem sido uma quilombola exatamente porque, graças a ela, podemos dizer que a identidade cultural brasileira passa necessariamente pelo negro. E, numa primeira aproximação, podemos afirmar que ela só tem a ver com os dois tipos de permanência de Zumbi na cabeça da moçada”.


(Lélia Gonzalez em “Mulher negra, essa quilombola”). A mulher negra na figura, dá mucama ou da mãe preta, é quem ensina a linguagem para as crianças brasileiras, e portanto é quem insere essas crianças na sociedade, é a mulher negra que promove a socialização dessas crianças, nos Gonzales, e faz isso por meio dos aspectos culturais herdados da cultura africana. Nossa cultura negra está na língua no nosso pretoguês, na música, nas festas populares, na comida, nas comunidades etc. É a história que resguarda a centralidade do papel da mulher negra na constituição do Brasil. Talvez, possamos sumarizar essa prosa com a seguinte passagem de Neuza Santos Souza no Tornar-se Negro:


"Saber-se negra é viver a experiência de ter sido massacrada em sua identidade, confundida em suas expectativas, submetida a exigências, compelida a expectativas alienadas. Mas é também, e sobretudo, a experiência de comprometer-se a resgatar sua história e recriar-se em suas potencialidades". (Neusa Santos Souza em “Tornar-se negro: Ou As vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social’)

 

 
 
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